Eu estava sentada naquela mesa
sozinha. Ao contrário do que os olhares em volta sugeriam, não era solidão,
apenas sou o tipo que aprecia a própria companhia de vez em quando, enquanto
come algo ou toma um café. Eu não estava lá muito aberta a papo furado ou
sorrisos educados e mentirosos, mas você chegou educadamente, puxou papo e eu
deixei que se sentasse e também tivesse a honra da minha companhia.
Enquanto comemos, percebo que é agradável,
apesar da primeira impressão não ser bem esta. Você é engraçado, mas não do
tipo bobo, e percebe o que nenhum outro que já se sentou naquela cadeira havia
entendido. Eu não quero falar sobre como você é bem sucedido ou sobre a minha
carreira promissora. Eu já faço isso pelo menos oito horas por dia de segunda a
sexta com um monte de gente. Adicione aí o sorriso educado e mentiroso. Eu não quero falar sobre o último filme
iraniano nem sobre a sua posição política meio de esquerda, meio intelectual
(como Antônio Prata bem descreveu o tipo). Para isso, sento no bar de mesa de
alumínio na calçada da Paulista com um bando de gente que mal conheço.
Não, passamos horas falando sobre o
que vivemos, o que somos, o que desejamos. De repente, brota uma admiração por
um completo estranho. Você não tem nada a ver comigo e, por isso mesmo, sinto-me
completamente atraída. Você gosta de coisa que não conheço, fala sobre assuntos
sobre os quais nunca pensei, de experiências que nunca tive, mas que começo a
desenhar na minha cabeça só de ouvir a sua narração apaixonada e até ingênua,
às vezes.
Mas você também quer ouvir as
minhas histórias ordinárias e percebo que enquanto eu falo com a boca, as mãos, os olhos, você
também se encanta. A partir daí não sei mais como agir. Levantamos-nos porque
já está tarde e caminhamos aparentemente sem rumo, embora nós dois já saibamos onde
isso vai dar. Eu falo loucamente, pois, nesses momentos, todo aquele papo de
serenidade e maturidade vai pelo ralo e tenho medo, mas não quero recuar. Você
olha para mim, sorri e eu não consigo pensar em mais nada para dizer. Beijo. O silêncio se faz.
Você sorri com os olhos, em silêncio, e
continuamos andando, agora de mãos dadas, o que me faz sentir de novo com 14. Mas
a sensação é muito melhor do que quando era adolescente – com muito mais
confiança - coisa que só a experiência e o tempo proporcionam. Antes de entrar
naquela casa, você para, me olha, de verdade, e me beija novamente. Sabemos que quando
ultrapassarmos aquela porta, os adolescentes ficarão lá fora.
Na cama, não há sinos, música de
fundo, nem slow motion como achava quando mais nova, contudo a
realidade é tão melhor do que um filme de classificação indicativa 14 anos...
De manhã, vou abrir os olhos e ver
que seu braço ainda me abraça. Calmamente, a gente vai tomar café da manhã
juntos e conversar sobre amenidades. A vida lá fora continua e temos que
trabalhar. Você vai abrir a porta para eu sair, vamos nos abraçar
carinhosamente e você não vai me prometer nada. Obrigada.